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segunda-feira, 17 de maio de 2010

Animais que comem animais

Quando decidi parar de comer carne pela primeira vez (hoje me sinto menos patética por admitir que tive uma recaída, em boa parte por ter lido este livro) eu não queria me tornar o tipo de vegetariana chata, que critica as opções dos outros e quer "converter" todos a sua crença, seu modo de vida. Hoje isto mudou, pelo menos em parte; eu não chegaria ao extremo de ser intolerante ou até estúpida com outras pessoas simplesmente por que elas comem carne, mas depois de ler  Eating Animals (ainda sem tradução no Brasil), por Jonathan Safran Foer (autor de Incrivelmente Alto & Extremamente Perto e Tudo se Ilumina), é um pouco impossível permanecer no campo neutro concordando com o que ele diz.

Tentando resumir o assunto do livro, Foer estuda a fundo o que significa comer animais (tradução do título, que também pode ser interpretado como animais que comem) quando a carne que você come vem, 99% das vezes, de "fábricas de animais", ao invés de fazendas tradicionais. O autor retrata os horrores que se passam na indústria e nos matadouros e as terríveis conseqüências dessa prática para o meio ambiente e para saúde das pessoas - até para as que não consomem os produtos da pecuária industrial. De acordo com o livro, e por pesquisas citadas no mesmo, a pecuária industrial é tão ou mais responsável pelo aquecimento global quanto todo o sistema de transporte do mundo (significando: carros, ônibus, caminhões, trens, aviões, navios...). Isto para não mencionar a quantidade de infecções virais que se tornam cada vez mais resistentes graças aos antibióticos que fazem parte da alimentação diária destes bichos de fábrica. Estas e outras implicações se dão únicamente em nome da lucratividade com a desculpa de "alimentar pessoas" com carne barata.

Foer vai além de apelar pelo sentimento de compaixão pelos animais (que sofrem, demasiadamente, tanto em vida quanto na morte na indústria), questionando os valores morais humanos no tratamento dos animais (e por que favorecemos nossos bichos de estimação, mas não aos bichos que comemos). Ou melhor, ele vai além, mas também vai ANTES, às origens da pecuária industrial, às origens da pecuária em si e da relação dos homens com os animais para consumo. O autor demonstra até onde uma sociedade vai para não precisar abrir mão de seus prazeres alimentares, e o faz de forma coerente, e o mais neutra possível. O livro conta com depoimentos de todos os lados: ativistas pelo bem-estar dos animais, fazendeiros que defendem a pecuária tradicional, trabalhadores de matadouros e pelo menos uma pessoa de cargo superior na indústria (muito provavelmente, mais por ser difícil ter acesso a estas pessoas do que por falta de vontade de Foer).

O autor não começa com um panfleto de recrutamento pela causa vegetariana, ele nos cativa já no começo, com histórias sobre sua avó, uma judia sobrevivente da Segunda Guerra, sobre a relação de sua família com a comida,  sua  própria relação com o vegetarianismo, que foi bastante inconstante, e o motivo de sua empreitada: a descoberta da paternidade - quem não se preocuparia com o que vai colocar no prato de seu filho? 

Desde já o leitor se identifica com o escritor (pelo menos eu, que sempre tive uma certa admiração por vegetarianos, mesmo que não tivesse a força de vontade para deixar de comer carne). Desde o início se estabelece uma relação de sinceridade, de cumplicidade, que acaba desenvolvendo para confiança no autor no momento em que o mesmo começa a descrever os resultados de sua pesquisa. Fica difícil questionar a veracidade dos fatos quando quem os está apresentando nos foi tão direto e honesto antes.

Mas Foer não se garante pelo encanto que possa causar no leitor; apesar de não estarem indicadas no texto, todas as citações e referências se encontram no final do livro, indicadas com a página e o trecho a que se referem. Creio que a intenção aqui fosse deixar o texto mais limpo, com menos cara de científico possível, dado que a intenção é atingir um número grande de pessoas (e o leitor comum parece ter alergia a notas de rodapé). O livro tem uma leitura bastante envolvente e (na medida do possível, considerando o assunto) agradável. Tudo nele parece ter sido planejado para distrair do fato de que ele está aqui para trazer os fatos: pecuária industrial é uma péssima idéia. Ruim o bem-estar dos animais (que merecem, no mínimo, uma vida boa), ruim para os pequenos fazendeiros, ruim para o meio-ambiente, ruim para a saúde da população mundial e ruim para o seu bolso, pois quem você pensa que paga pelos danos causados pelas fábricas?

Eating Animals é um livro revelador, que traz à tona verdades alarmantes que, apesar de hoje serem um problema maior nos Estados Unidos, têm uma tendência a se alastrar pelo mundo. E se realmente chegarmos a este ponto a grande pergunta não será o que podemos fazer para resolver isto?, e sim para onde podemos correr? Como Foer conclui, esta é a nossa chance. Esta geração pode decidir o futuro, tudo o que precisamos fazer é passar reto pela prateleira de carnes. Pense nisso: um animal sofre a vida inteira em uma destas fábricas e tem uma morte longa e horrível (em um lugar imundo, nas mãos de pessoas mal-preparadas). Quantos minutos dura sua refeição? É possível comer carne livre de culpa? Você poria esta culpa, esta carga, no prato do seu filho? Sim? Então você é um imbecil.

http://thegospelcoalition.org/blogs/10millionwords/files/2010/03/eatinganimals.jpg 
Leia o começo do livro na Amazon.com

Um comentário:

  1. Esse livro é um dos melhores que já li. Planejo escrever sobre ele também, assim que eu terminar de ler (estou demorando séculos para conseguir!).

    Foer é um escritor excelente. Quero ler os outros livros dele.

    Adorei teu texto! Saudade deles!!!!

    Beijos

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